Meu casamento

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domingo, 30 de setembro de 2012

Manuel de Barros



Manoel de Barros
“Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?
Que hei de fazer?
— Dormir, talvez chorar”.



Manoel 
Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande (MS). É advogado, fazendeiro e poeta.
Seu primeiro livro  foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou "Poemas concebidos sem pecado". Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele.

Nos anos 80, Millôr Fernandes começou a mostrar ao público, em suas colunas nas revistas Veja e Isto é e no Jornal do Brasil, a poesia de Manoel de Barros. Outros fizeram o mesmo: Fausto Wolff, Antônio Houaiss, entre eles. Os intelectuais iniciaram, através de tanta recomendação, o conhecimento dos poemas que a Editora Civilização Brasileira publicou, em quase a sua totalidade, sob o título de "Gramática expositiva do chão".

Hoje o poeta é reconhecido nacional e internacionalmente como um dos mais originais do século e mais importantes do Brasil. Guimarães Rosa, que fez a maior revolução na prosa brasileira, comparou os textos de Manoel a um "doce de coco". Foi também comparado a São Francisco de Assis pelo filólogo Antonio Houaiss, "na humildade diante das coisas. (...) Sob a aparência surrealista, a poesia de Manoel de Barros é de uma enorme racionalidade. Suas visões, oníricas num primeiro instante, logo se revelam muito reais, sem fugir a um substrato ético muito profundo. Tenho por sua obra a mais alta admiração e muito amor." Segundo o escritor João Antônio, a poesia deManoel vai além: "Tem a força de um estampido em surdina. Carrega a alegria do choro." Millôr Fernandes afirmou que a obra do poeta é "'única, inaugural, apogeu do chão." E Geraldo Carneiro afirma: "Viva Manoel violer d'amores violador da última flor do Laço inculta e bela. Desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica". Manoel, o tímidoNequinho, se diz encabulado com os elogios que "agradam seu coração".

Inovação Vocabular
O idioma é a única porta para o infinito, 
mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas.
(Guimarães Rosa)
Manoel de Barros é avesso à repetição de formas e ao uso de expressões surradas, ao lugar comum e ao
chavão. Para evitar tais “pragas”, ele se tornou um pesquisador incansável de novas expressões e significados
verbais, que  integrarão  sua poesia, articulando experiência, conhecimento e experimentação. O poeta
declara que a sua construção poética é resultado da tensão entre os vários sentidos que uma palavra
comporta. Ele garimpa significados inéditos, secretos, que escandalizam o sentido único para ser um ponto
de metamorfose poética, fugindo do significado usual, gasto, corroído pelo uso. Adverte para a necessidade
de perscrutar a palavra, para que ela revele suas intimidades mais profundas e enigmáticas. Há que descascar
as palavras até que elas percam sua significação usual, assim: “... aflora uma linguagem de defloramentos, um
inauguramento de falas” (Barros apud Silva, 1995).
Nessa perspectiva, percebe-se que Manoel de Barros mantém uma luta corpo a corpo com a linguagem, cuja
chave é um jogo de sedução e encantamento mútuos, ressaltando que “bolina'' os vocábulos, como um
amante desavergonhado, fazendo com que as palavras se ofereçam “no cio” para ele, despudoradamente, em
sua nudez primitiva: “Uma palavra abriu o roupão pra mim/Ela deseja que eu a seja” (Barros apud C.
Menezes, 2005).
Assim, após essa etapa preliminar de “bolinação” da palavra, em que esta se sente desejada e torna-se

desejante, o  poeta dá prosseguimento  a um  laborioso  trabalho  artesanal, buscando  novas dimensões
lingüísticas, conforme destaca:
É preciso propor novos enlaces para as palavras. Injetar insanidade nos verbos para que transmitam
aos nomes seus delírios. (...) O envolvimento emocional do poeta com essas palavras e o tratamento
artístico que lhes consiga dar, – isso que poderá fazer delas matéria de poesia (Barros apud E.
Menezes, 2007).
Essa citação deixa transparecer que a linguagem, bem como a literatura, é um bem comum a todos. Na
criação poética, cabe a cada artista propor “novos enlaces“, por meio do tratamento artístico. Segundo Cruz
(2007), o poeta deseja uma linguagem em que haja um relacionamento voluptuoso com os termos, um
relacionamento amoroso entre o criador e a palavra que seja livre e que tenha o gosto do impuro,
escurecendo as relações entre os termos: “Bom é corromper o silêncio das palavras” (Barros  apud E.
Menezes, 2007).
Assim, o poema é local em que a linguagem se transfigura, ganha nova roupagem, nova vida, germinando uma
pluralidade de significações delirantes, como vento que, com seus sussurros e carícias estremecem e faz
vibrar cada folha, e tocar todos os seres de seu cosmo poético: "O vento se harpava em minhas lapelas
desatadas" (Barros apud Carpinejar, 2006).
Manoel de Barros não se preocupa em reproduzir a realidade, ou seja, em utilizar a linguagem como uma
construção lógica que venha representar o mundo; ao contrário, ele pretende reinventar a realidade e a
própria vida e um novo olhar sobre o aparentemente normal, detonar o sempre igual. Dessa maneira,
segundo Carpinejar (2006): 
Peixes podem morar na árvore, assim como o vento ser apanhado pelo rabo – dois exemplos que
não condizem com a normalidade do cotidiano, mas que terminam sendo acatados em função do
pacto de leitura, de não duvidar do autor e sim compartilhar com ele a irrealidade das imagens.
Não há limites definidos para o seu signo: verbos deslizarão para substantivos e novas regências serão
criadas: “... Colear/ sofre de borboleta/ e prospera/ para árvore (...) O homem se arrasta/ de árvore/
escorre de caracol/ nos vergéis/ do poema“ (Barros, 1994, p. 167). Percebe-se que, no laboratório poético
manoelino, há uma clara negação do que, convencionalmente, é considerado normal e a opção por uma
abordagem poética marcada por traços aparentemente ilógicos e surreais, conforme discutiremos a seguir.

SONATA AO LUAR

                                            ( Manoel de Barros)

Sombra Boa não tinha e-mail.
Escreveu um bilhete:
Maria me espera embaixo do ingazeiro
quando a lua tiver arta.
Amarrou o bilhete no pescoço do cachorro
e atiçou:
Vai Ramela, passa!
Ramela chegou à cozinha num átimo.
Maria leu e sorriu.
Quando a lua ficou arta Maria estava.





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